Se você pensa que minerar Bitcoin ainda é só sobre máquinas barulhentas e recompensas a cada quatro anos, está na hora de rever essa ideia. O mundo da mineração mudou, e muito. O que antes parecia um jogo previsível de altas e baixas ligadas ao halving agora se transformou em uma corrida por energia barata, infraestrutura inteligente e diversificação. Hoje, a eletricidade se tornou ainda mais valiosa que o próprio hash rate.
Recentemente, executivos de grandes mineradoras se reuniram na conferência SALT, em Jackson Hole, nos Estados Unidos. O que foi discutido ali pode parecer técnico à primeira vista, mas é fundamental para qualquer pessoa interessada em Bitcoin. O antigo modelo, baseado em esperar o próximo halving e torcer pela valorização, já não basta. Agora, sobrevivem apenas aqueles que têm escala, parcerias estratégicas e, acima de tudo, acesso a energia de baixo custo.
O Fim do Ciclo de Quatro Anos
Durante anos, a mineração funcionou como um relógio. A cada quatro anos, a recompensa por bloco era cortada pela metade, provocando crises, quedas de eficiência e depois uma nova onda de valorização. Esse ciclo era tão previsível que muitos investidores e mineradores confiavam nele cegamente.
Mas, segundo Matt Schultz, CEO da Cleanspark, esse modelo já ficou para trás. A chegada dos ETFs de Bitcoin spot mudou completamente o mercado. Esses fundos estão comprando mais moedas do que a rede consegue minerar, o que pressiona ainda mais a oferta e acelera a adoção.
“O ciclo de quatro anos praticamente acabou”, afirmou Schultz. “O Bitcoin deixou de ser apenas um ativo especulativo para se tornar estratégico. E isso muda o jogo da mineração.”
O foco deixou de ser apenas o hash rate. Hoje, a verdadeira disputa é pelos megawatts. O que importa é como vender energia, como usar a infraestrutura elétrica de forma mais inteligente e como se tornar parceiro das redes locais.
Energia Barata é a Nova Moeda
Patrick Fleury, CFO da Terawulf, foi direto ao ponto: “minerar Bitcoin é um negócio incrivelmente difícil”. O motivo é simples: o custo da eletricidade.
Com energia a cinco centavos por quilowatt-hora, minerar um único Bitcoin custa cerca de 60 mil dólares. Se o preço da moeda está em 115 mil, parece lucrativo. Mas depois de pagar manutenção, equipe, financiamento e outros custos corporativos, a margem encolhe rapidamente.
Em outras palavras: quem tem acesso a energia barata sobrevive. Quem não tem, desaparece.
Além disso, gigantes como a Bitmain continuam fabricando máquinas em larga escala mesmo quando o mercado está em baixa. Elas instalam seus próprios equipamentos em locais com energia mínima, aumentando a dificuldade da rede e sufocando mineradores menores.
Foi nesse cenário que a Terawulf surpreendeu o mercado com um acordo bilionário: 6,7 bilhões de dólares em parceria com o Google. Parte de sua infraestrutura de mineração será usada como data center para rodar inteligência artificial, armazenar dados e hospedar serviços em nuvem.
O contrato garante novas receitas, reduz custos de financiamento e torna a empresa mais resiliente. “Criamos uma nova armadilha para o rato”, brincou Fleury. Mas a mensagem foi clara: diversificar é a chave para continuar no jogo.
Diversificação Além da Mineração
As maiores mineradoras já entenderam que o futuro vai muito além de simplesmente validar blocos. Agora, o mercado fala de inteligência artificial, computação em nuvem e até serviços de processamento de dados soberanos, que oferecem mais segurança e controle local.
Um exemplo é a IREN, que hoje mantém margens de lucro bruto de 75%. Como conseguiu? Controlando seus próprios centros, escolhendo regiões com energia barata e operando com extrema eficiência. Mesmo assim, a empresa está freando a expansão em mineração para focar na IA.
“A intensidade de capital é diferente”, explicou Kent Draper, diretor comercial da IREN. “Na nuvem, o retorno vem em cerca de dois anos, enquanto a mineração exige investimentos três vezes maiores.”
Outro caso é a Marathon Digital. A companhia não apenas mantém Bitcoin em seu balanço como também comprou participação em uma subsidiária da EDF focada em computação de alto desempenho. O objetivo é simples: aproveitar sua infraestrutura para oferecer poder de processamento em locais estratégicos e garantir receitas recorrentes.
“Gostamos da ideia de ter uma plataforma de software que gere estabilidade, algo que a mineração sozinha não oferece”, disse Salman Khan, executivo da Marathon.
O Futuro é a Energia, Não o Bitcoin
Mesmo com tantas mudanças, um ponto continua central: energia é o recurso mais valioso. Seja para minerar, para rodar inteligência artificial ou para estabilizar redes elétricas, quem controla energia controla o futuro.
A Cleanspark já opera 800 megawatts e constrói mais 1,2 gigawatts. Só em Atlanta, perto do aeroporto, são 100 megawatts dedicados. A empresa se tornou parceira de pequenas distribuidoras de energia, ajudando a monetizar eletricidade que antes ficava ociosa.
Mais do que isso, corta seu consumo em até 120 horas por ano, economizando cerca de um terço dos custos totais. Essa flexibilidade a transforma em aliada valiosa para o sistema elétrico, mostrando que minerar Bitcoin pode ser útil e não apenas consumidor de recursos.
Como disse Schultz: “O Bitcoin pode deixar de ser apenas um ativo digital e se tornar parte da infraestrutura energética do futuro. A próxima fase não será sobre especulação, mas sobre como ajudar a equilibrar o sistema elétrico.”
O mundo da mineração está em plena transformação. Quem ficar preso ao modelo antigo, esperando o próximo halving, vai perder espaço. O novo jogo é sobre eficiência, parcerias estratégicas, diversificação e controle de energia. E o Brasil, com sua abundância de energia renovável e posição estratégica, pode ser um dos grandes vencedores dessa nova fase, se souber agir com inteligência.